Peso ao nascer dos gémeos:
1. Os padrões de crescimento fetal de gêmeos e monômeros:
Bernardo Beiguelman1,2, Gloria M.D.D. Colletto 2, Carla Franchi-Pinto 3 e Henrique Krieger 2
1 Curso de Pós-Graduação em Genética, UNICAMP, Campinas, SP, Brasil.
2 Laboratório de Epidemiologia Genética, Departamento de Parasitologia, Instituto de Ciências Biomédicas, USP. Enviar correspondência para B.B. Rua Angelina Maffei Vita, 408, Apto. 41, 01455-070 São Paulo, SP, Brasil.
3 Serviço de Genética Médica da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, SP, Brasil.
ABSTRACT
Distribuições de pesos de nascimento de gêmeos e solteiros nascidos em três hospitais do sudeste brasileiro foram comparados após ajuste para idade gestacional, seus termos quadráticos e cúbicos, sexo, tipo de gravidez, assim como suas interações. O padrão de crescimento do feto gêmeo foi retardado em comparação com o dos montões, independentemente do nível socioeconômico da população examinada, mas a idade gestacional na qual esse retardo começou parece estar correlacionada com a renda das mães. Em todos os casos, após 28 semanas de gestação, o crescimento fetal feminino foi ligeiramente, mas consistentemente inferior ao dos homens.
INTRODUÇÃO
Em média, os gémeos nascem com uma idade gestacional mais baixa e peso mais leve do que os solteiros (McKeown e Record, 1952; Powers, 1973; Gedda et al., 1981; Leroy et al.., 1982; Watson e Campbell, 1986; Alfieri et al., 1987; Bonnelykke et al., 1987; Buckler e Buckler, 1987; Bleker et al., 1988; Luke et al., 1991; Keith, 1994; Luke, 1996, inter allia). Quando gêmeos e solteiros foram distribuídos em duas classes de peso ao nascer (menos e mais de 2500 g), ou agrupados em três classes de idade gestacional (pré-termo, termo e pós-termo), as proporções de recém-nascidos com baixo peso ao nascer (menos de 2500 g) ou partos pré-termo (menos de 37 semanas) foram dramaticamente maiores entre os nascimentos de gêmeos do que entre os solteiros.
A mortalidade perinatal é fortemente influenciada pelo baixo peso ao nascer, devido à sua associação com distúrbios respiratórios, metabólicos, imunológicos e neurológicos (Erhardt et al., 1964; Harper e Wiener, 1965; Fitzhardinge e Steven, 1972; Chandra, 1975; Laski et al., 1975, inter allia). Como a taxa de mortes perinatais é desproporcionalmente alta entre gêmeos (Keith, 1994; Luke, 1996) pode-se supor que isto poderia ser apenas uma consequência do seu baixo peso à nascença. Contudo, dados recentes de Luke (1996) confirmam que Gedda et al.s (1981) afirmam que o baixo peso à nascença em gémeos e em monótons não é comparável e tem implicações diferentes para o crescimento e sobrevivência da criança. Gedda et al. (1981) também sublinharam que “ao considerar a relação entre peso à nascença e mortalidade perinatal, os dados devem ser sempre decompostos de acordo com se se referem a gémeos ou a monótons, em vez de serem combinados como é normalmente feito”.
De fato, Luke (1996) demonstrou que o baixo peso ao nascer de gêmeos pode ser benéfico para eles, já que nos Estados Unidos da América a menor taxa de mortalidade fetal para gêmeos foi observada em uma idade gestacional mais precoce (36-37 semanas), com um peso ao nascer menor (2500-2800 g) em comparação com os solteiros, que apresentaram a menor taxa de mortalidade fetal em 40-41 semanas de idade gestacional, com um peso ao nascer de 3700-4000 g.
Estas análises recentes do peso de gêmeos com idade gestacional específica, em comparação com os montões, adicionaram muito ao nosso entendimento deste problema. No entanto, ainda é necessário muito trabalho para compreender melhor este assunto, particularmente nos países do terceiro mundo. O presente estudo compara as distribuições de peso à nascença de gêmeos e montões nascidos de mães brasileiras do sudeste do Brasil de diferentes origens socioeconômicas, após ajuste desses pesos por meio de análise de regressão múltipla para algumas variáveis biológicas.
SUBJETOS E MÉTODOS
Os pesos ao nascer de 1.158 pares de gêmeos e 12.609 montões, cujos registros registrados não deixaram de indicar a idade gestacional em semanas, foram investigados. Os registros foram obtidos em três maternidades do Estado de São Paulo, no Brasil: Maternidade de Campinas (MC) na cidade de Campinas, SP (631 pares de gêmeos e 1.112 monotons); Hospital Santa Catarina (HSC) na cidade de São Paulo, SP (339 pares de gêmeos e 300 monotons) e Hospital e Maternidade Escola Vila Nova Cachoeirinha (VNC) na cidade de São Paulo, SP (188 pares de gêmeos e 11.197 monotons). O MC é o maior centro obstétrico de Campinas. Todos os segmentos sociais da população são encontrados entre as mulheres atendidas lá (40% pacientes privadas, 59% de assistência social e 1% de indigentes). Em contraste, o HSC é dedicado principalmente a pacientes privados, enquanto o VNC é um hospital público onde não são cobrados hospitais nem cuidados médicos, uma vez que fornece assistência às camadas mais pobres da população. VNC é também um centro de referência que dá assistência obstétrica a mulheres grávidas pobres de alto risco. Os natimortos não foram omitidos, mas os recém-nascidos com peso igual ou inferior a 500 g foram excluídos, pois são classificados como abortos (Belitzki et al., 1978).
Desde que o peso ao nascer tem uma grande variação, as diferenças entre os três hospitais foram avaliadas usando o teste de Kruskal-Wallis. Os valores de peso ao nascer em gramas (variável dependente) foram transformados em logaritmos naturais, e ajustados pela análise de regressão múltipla por etapas para a idade gestacional em semanas, seus termos quadráticos e cúbicos, sexo e tipo de gravidez (gêmeos ou solteiros), assim como suas interações, utilizando a embalagem SPSS®.
RESULTA E DISCUSSÃO
Os resultados do teste Kruskal-Wallis apresentado na Tabela I mostram claramente que nem os gêmeos nem os solteiros nascidos nos três hospitais podem ser agrupados, uma vez que representam diferentes populações de peso ao nascer. Em média, tanto os gémeos como os singletons foram os mais pesados no HSC, seguidos pelo MC, e pelo VNC. Portanto, uma análise de regressão múltipla foi realizada separadamente para cada hospital. O logaritmo natural do peso ao nascer foi considerado como a variável dependente, enquanto as variáveis independentes incluíram idade gestacional, (idade gestacional)2, (idade gestacional)3, sexo, idade gestacional ‘ sexo, (idade gestacional)2 ‘ sexo, (idade gestacional)3 ‘ sexo, tipo de gravidez, idade gestacional ‘ tipo de gravidez, (idade gestacional)2 ‘ tipo de gravidez, (idade gestacional)3 ‘ tipo de gravidez, sexo ‘ tipo de gravidez, idade gestacional ‘ sexo ‘ tipo de gravidez, (idade gestacional)2 ‘ sexo ‘ tipo de gravidez, e (idade gestacional)3 ‘ sexo ‘ tipo de gravidez.
Tabela I – Pesos médios de nascimento e desvios padrão em gramas de gêmeos e solteiros nascidos em três hospitais brasileiros, e resultados do teste de Kruskal-Wallis.
Hospital |
Gêmeos |
Singletons |
||||
>
N |
>
Mean ± SD |
Passo médio |
>
N |
>
Mean ± SD |
>
Passo médio |
|
HSC | > | 2444 ± 540 | 3222 ± 479 | > | ||
MC | 2295 ± 570 | 3115 ± 413 | ||||
VNC | 2245 ± 631 | 3041 ± 578 | ||||
K-W teste | ||||||
(2 d.f.) |
H = 104,6; P < 0,001 |
H = 72,52; P < 0,001 |
HSC, Hospital Santa Catarina; MC, Maternidade de Campinas; VNC, Hospital e Maternidade Escola Vila Nova Cachoeirinha.
Tabela II mostra a influência das variáveis independentes selecionadas no peso ao nascer. Para recém-nascidos no MC estas variáveis foram idade gestacional, (idade gestacional)3, idade gestacional ‘ tipo de gravidez, e sexo. Para recém-nascidos em HSC, foram a idade gestacional, (idade gestacional)2, sexo e (idade gestacional)3 ‘ tipo de gravidez. Em relação aos recém-nascidos na VNC, as variáveis independentes selecionadas foram: idade gestacional, (idade gestacional)3, idade gestacional ‘ sexo, idade gestacional ‘ tipo de gravidez, (idade gestacional)3 ‘ tipo de gravidez. A Figura 1 apresenta as curvas ajustadas derivadas das análises mostradas na Tabela II.
|
Figura 1 – Distribuição do peso ao nascer de gêmeos e solteiros nascidos em três hospitais brasileiros (HSC, MC, VNC) após o ajuste de acordo com o modelo de regressão mostrado na Tabela II. Os gêmeos são simbolizados por quadrados, e os monomotores por círculos. Os homens são representados por símbolos fechados e os símbolos abertos designam as mulheres. |
Tabela II – Coeficientes de regressão significativos obtidos pela análise de regressão múltipla em etapas do logaritmo do peso ao nascer em gramas(Y) na idade gestacional, seus termos quadráticos e cúbicos, sexo e tipo de gravidez, assim como suas interações.
_ Y ± SD Efeitos |
MC |
HSC |
VNC |
|
a |
1,598 ± 0,163 |
-2,034 ± 0.513 |
2,204 ± 0,093 |
|
idade gestacional |
0,2309 ± 0.0068 |
0,4815 ± 0,0296 |
0,2119 ± 0,0038 |
|
(idade gestacional)2 | >
-0.0057 ± 0,0004 |
|||
(idade gestacional)3 |
-4.3 x 10-5 ± 1,7 x 10-6 |
-4,1 x 10-5 ± 9,8 x 10-7 |
||
sex |
0,0247 ± 0,0065 |
0,0259 ± 0.0098 |
||
idade gestacional x sexo | > |
0,0010 ± 8,2 ± 10-5 |
||
idade gestacional x tipo de gravidez |
>-0.0052 ± 0,0002 |
-0,0150 ± 0,0016 |
||
(idade gestacional)3 x tipo de gravidez |
>-3,2 x 10-6 ± 2,1 x 10-7 |
>6,3 x 10-6 ± 1.2 x 10-6 |
||
Regressão do Q | ||||
d.f. | ||||
SQ residual | ||||
d.f. | ||||
F | ||||
r2 |
Para abreviaturas ver Tabela I.
As curvas ajustadas ilustram que, após cerca de 28 semanas de gestação, o crescimento fetal feminino foi ligeiramente mas consistentemente inferior ao dos machos. Elas também demonstram claramente que o padrão de crescimento do feto gêmeo foi retardado em comparação com o dos montões, independentemente do nível socioeconômico dos pacientes internados assistidos. Além disso, estas curvas revelam que o peso médio mais leve dos gêmeos não pode ser atribuído apenas à sua menor idade média gestacional, já que esta variável foi incluída para o ajuste de todas as curvas na Figura 1.
As curvas ajustadas derivadas dos dados fornecidos pela HSC, que auxilia pessoas de alta renda, indicam que as taxas de crescimento fetal de gêmeos e solteiros foram semelhantes até cerca de 28 semanas de gestação. A partir desta idade começou um crescimento intra-uterino mais lento dos gémeos em comparação com os singletons e a diferença foi sendo progressivamente enfatizada. O período de crescimento intra-uterino indiferenciado visto nas curvas HSC é semelhante aos relatados por McKeown e Record (1952), Naeye et al. (1966) e Williams et al. (1982) para populações do primeiro mundo. Entretanto, Luke et al. (1991), baseados em dados não ajustados de pesos de nascimento obtidos no Hospital John Hopkins, concluíram que a diferença entre o crescimento fetal de gêmeos e monômeros começa mais tarde, com 36 semanas de gestação.
As curvas ajustadas produzidas pelos dados obtidos do MC, onde as mulheres assistidas têm, em média, uma renda menor em comparação com as do HSC, são semelhantes às curvas do HSC. No entanto, na MC, observa-se uma taxa de crescimento fetal mais lenta logo após 22 semanas de gestação nas curvas que representam a MC. Esta diferenciação é mais clara nas curvas ajustadas produzidas pelos dados obtidos do hospital público VNC, que fornece cuidados apenas a mulheres pobres e é um hospital de referência para gravidezes de alto risco. Este padrão pode ser uma indicação de que o crescimento do feto gêmeo é retardado mais cedo quando são gerados por mulheres grávidas subnutridas. Entretanto, considerando o fato de que os bebês nascidos de mães com hipertensão crônica são menores e mais leves que os nascidos de mães normais, e considerando que a causa mais comum de transferências de alto risco para VNC é a hipertensão crônica, não se pode excluir a possibilidade de que o atraso precoce do crescimento intra-uterino dos gêmeos nascidos neste hospital possa ser exagerado por um excesso dessas mães de alto risco.
ACONTECIMENTOS
Este trabalho foi apoiado pelo CNPq. Publicação suportada pela FAPESP.
RESUMO
As distribuições dos pesos de recém-nascidos de partos gemelares e únicos em três maternidades do sudeste brasileiro foram comparadas, depois do ajustamento desses pesos à idade gestacional, seus termos quadrático e cúbico, sexo e tipo de gestação e às interações dessas variáveis. O padrão da taxa de crescimento fetal dos gêmeos em comparação ao dos recém-nascidos de parto único é retardado, independentemente do nível sócio-econômico da população examinada, mas a idade gestacional em que começa esse atraso parece estar correlacionada ao nível econômico das mães. Em todos os casos, depois de 28 semanas de gestação, o crescimento dos fetos femininos mostrou-se levemente, mas consistentemente, inferior ao dos fetos masculinos.
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